Em 2009 realizei um filme sobre o Manuel Hermínio Monteiro, editor da
Assírio e Alvim, falecido em 2001. Conhecia o Hermínio desde miúdo e
quando me convidaram para fazer o filme, achei que a melhor maneira de
transmitir o seu espírito de vida, seria filmar um jantar onde um grupo
de amigos dele pudesse partilhar histórias, regadas a vinho tinto,
enquanto empanturravam o bandulho com uma qualquer comida deliciosa,
como tanto o Hermínio gostava de fazer.
Rapidamente percebi que isto
seria tarefa impossível, a morte do Hermínio deixara as pessoas à sua
volta, não só órfãs, mas desorientadas, como quando morre um avô e a
família se apercebe que ele era um elemento de tal maneira agregador que
perante a sua falta, não sabe como lidar com a "herança" (no sentido metafórico, não estou a falar de dinheiro).
Isto tudo para
falar do Pina... O Pina gostou da ideia e quis fazê-la, convidou o
jornalista Luis Miguel Queirós e sugeriu um restaurante no Porto. A
equipa sentou-se com ele à mesa e comeu e bebeu e fumou enquanto
filmava, com pausas apenas para trocar de cassete. A imagem ficou escura e o
som ruidoso (porque o restaurante não estava fechado só para nós), mas o
espírito está todo lá.
As histórias que o Pina contou sobre o Hermínio
parecem triviais, mas são absolutamente definidoras dele, como a do
arranjinho de reconciliação entre o Cesariny e o Eugénio de Andrade que o
Hermínio organizou e onde eles fizeram as pazes. No meu filme quando o Pina conta esta história, ouve-se a
gargalhada solta da Joana Cunha Ferreira, totalmente esquecida do seu
papel silencioso de elemento da produção e completamente embebida nas
palavras do Pina.
No filme essa gargalhada, enche-me sempre de
alegria. O Hermínio era isto. E o Pina era isto também. Depois do jantar
o Pina não se quis despedir, fomos beber mais um copo. A câmara já não
estava a filmar, mas não havia diferença. Podia estar. Devia estar. O
filme agora não seria sobre o Hermínio, mas sobre o Pina. E falaria de
gatos e de "uma empregada, uma cadela e um coronel com um pingalim"
(como uma história que ele contou ao Frazão, mas que ele também já não
se lembra), e teria muito sotaque do Porto e muito sentido de humor e doçura.